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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

1986, ano louco no Restelo: uma telenovela invade o Belenenses

Há 25 anos as filmagens de «Palavras Cruzadas» dão um ar hollywoodesco aos treinos dos azuis. O Maisfutebol recorda um episódio «praticamente irrepetível»

Anos 80 em Portugal. A televisão limitada a dois canais públicos, Agora Escolha a abrir as tardes, cadernetas de cromos guedelhudos, Dartacão para a pequenada. A ficção delicada e ingénua de MacGyver, o humor a afrontar a história no Cafe Rene do Allô Allô.

A era kitsch autoriza excentricidades impensáveis. O exagero está omnipresente. No penteado de Jon Bon Jovi, no decote de Samantha Fox, mesmo no sucesso improvável dos Onda Choc ou nas baladas lamurientas dos Roxette. É era anarca, ideal para mentes revolucionárias, inovadoras. Um blazer imaculadamente branco pode ser fashion, uma popa no cabelo cai sempre bem.

No mundo do futebol chega-se ao impensável. 1986 é o ano louco no Estádio do Restelo. Há precisamente 25 anos, as câmaras de televisão tomam de assalto os treinos do Belenenses para gravar cenas de uma telenovela!

Isso mesmo. A personagem Rui Salgado, protagonista de Palavras Cruzadas, é supostamente um ponta-de-lança em ascensão no emblema da Cruz de Cristo. Tudo a fingir e a invadir o dia-a-dia de um plantel profissional de futebol.

E se fosse agora?

Tozé Martinho: «Tínhamos de fazer tudo à pressa»

O Verão azul no imaginário de Tozé Martinho. Figura marcante no pequeno ecrã e filho de um devoto belenense, o produtor idealiza o cenário: fazer do actor Gonçalo Ferreira um elemento mais no plantel do belga Henri Depireux. Uma insinuação atrevida, solene. E quase comprometida pela falta de talento do avançado-faz de conta.

«Assisti às gravações e a imagem mais forte era esta: sentia-se claramente que o Gonçalo não era jogador», recorda Tozé Martinho, sorridente, ao Maisfutebol.

«Tentei disfarçar ao máximo as evidências, mas até no físico havia diferenças brutais entre ele e os verdadeiros jogadores. Hoje teria outros cuidados, tanto no casting como na produção.»

António Martinho, pai de Tozé, foi médico dos azuis. «A homenagem que lhe prestei deu origem à personagem. Tínhamos de fazer tudo à pressa, depois do treino verdadeiro. Os jogadores olhavam para as câmaras como se fossem o maior dos mistérios. Estávamos longe da era tecnológica.»

O Belenenses, aparentemente, não se ressente. Acaba a temporada no sexto lugar e entra todas as noites, por volta das 21 horas, pelas casas dos portugueses adentro. «Estamos a falar do clube de Matateu e Vicente. Uma instituição enorme e que nos permitiu alterar a sua normalidade. Não é um projecto irrepetível, mas quase.»

Jorge Martins: «Deixávamos o rapaz brilhar»

Jorge Martins era o guarda-redes do Belenenses. Um quarto de século depois, lembra-se bem da «maluqueira». «Acabávamos o treino e ficávamos mais um bocado nas filmagens», recorda ao nosso jornal.

«Tudo gente simpática, tudo com muita educação. Fazíamos o sacrifício e chegávamos mais tarde a casa. O treinador [Henri Depireux] explicou-nos como tudo se iria passar. Nós não nos mexíamos muito, deixávamos o rapaz brilhar e eles filmavam golos atrás de golos. Ele até parecia um craque, mas na verdade não tinha grande jeito.»

Meses depois, Jorge liga a televisão e nem quer acreditar. «O Belenenses dentro da telenovela. Que coisa estranha. Era engraçado voltar a tentar fazer uma coisa dessas», ratifica o antigo internacional português, agora afastado do mundo desportivo.

«Eu e o falecido Zé António falávamos com o Gonçalo [Ferreira], dizíamos-lhe para ele estar à vontade e não ter medo de rematar com força. No final até íamos com ele beber uma cervejinha.»

1986, ano louco no Estádio do Restelo. Que clube se atreve a repetir a façanha?




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