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domingo, 22 de julho de 2018

Os Da Vinci navegam agora entre livros, partituras e jardinagem


Se recuarmos ao final dos anos 80, os Da Vinci serão certamente lembrados como a banda que levou Portugal a acreditar que poderia vencer a Eurovisão, tanto pelo caminho na pop moderna que acabavam de trilhar, como pelo estilo muito próprio que adoptavam nos seus espectáculos.

O chapéu que a cantora Iei-Or (pseudónimo de Maria Manuela Neves) usava durante as actuações é hoje substituído pelo guarda-sol que segura, à beira da piscina. Pedro Luís Neves (compositor, produtor, teclados e vozes) está hoje também muito mais discreto em relação aos tempos de indumentárias mais arrojadas com que se apresentava em palco e nos telediscos de há 30 anos.

A conhecida dupla dos Da Vinci abandonou as luzes e os palcos para abraçar uma vida mais calma, no refúgio de uma casa em Palmela. “Não tínhamos aqui nada. Fomos nós que fizemos tudo. É o nosso sossego e o de quem cá vem”, confessa Iei-Or. Se na década de 80 a banda portuguesa tinha uma vida agitada - em grande parte por causa de uma canção que se tornou omnipresente -, hoje o casal fundador da banda vive mais resguardado da vida pública. Apesar disso, Iei e Pedro Luís não abandonaram as áreas criativas. Ela acaba de editar um livro; ele escreve música.

O ano de 1989 é o da grande viragem para os Da Vinci. A banda, que já tinha dois álbuns editados, foi convidada a participar no Festival da Canção RTP. O tema Conquistador acabou por ser a música vencedora, e, por isso, a escolhida para representar Portugal na Eurovisão. “Na altura, até queriam que mudássemos a canção de nome, para Descobridor…”, revela Pedro Luís Neves. “Achavam que era mais politicamente correcto.” Para Iei e Pedro Luís, a letra da canção era um jogo de palavras que contava a História de Portugal. “Foi o que nós fomos, nós e os espanhóis, e depois outros… E a História foi o que nos trouxe até aqui”, explica a cantora.

E foi precisamente aquela canção que levou os Da Vinci ao primeiro lugar da tabela, e a conquistar os portugueses. A pop-rock futurista dos Da Vinci dava-se a conhecer num Portugal ainda marcado pelo pop-rock vanguardista de bandas como os GNR ou os Sétima Legião, insuflando a (tradicional) esperança dos portugueses na primeira vitória no festival da Eurovisão, que nesse ano se realizou na Suíça.

No entanto, a expectativa da banda era mais moderada: “Quando lá chegámos, sentimos diferença no tratamento. Portugal não estava tão na moda como está agora; nas recepções encaminhavam-nos sempre para a mesa do canto”. Em pleno ano da queda do Muro de Berlim, a Jugoslávia acabaria por levar o troféu para casa. Iei-Or afirma que “a Eurovisão sempre foi um concurso muito político”.

Contra todas as previsões que se geraram em Portugal, os Da Vinci acabaram por conquistar uma modesta posição no meio da tabela. Receberam apenas 39 pontos, ficando no 16.º lugar. Apesar do resultado, a banda celebrizou-se com uma canção que ainda se faz ouvir. “Ainda hoje nos sentimos acarinhados. É engraçado porque o fenómeno não cessa”, revela Iei. Para a cantora, “a letra não é ‘sazonal’, não passa de moda; fala da genética da nossa História, e as pessoas gostam disso”.

Sobre a participação de Portugal na Eurovisão deste ano, Iei e Pedro Luís consideram que ganhar “foi mais do que justo”. Amar pelos dois, interpretada por Salvador Sobral, “é uma das músicas mais bonitas que a RTP levou ao festival”. Os dois ex-Da Vinci defendem que a canção venceu o concurso porque “as pessoas finalmente começaram a votar numa canção boa, consistente, muito bem defendida e interpretada, sem plumas ou lantejoulas”.

Depois de mais de 20 anos no foco das luzes, e na estrada em tournées, a dupla fundadora dos Da Vinci decidiu procurar o sossego em Palmela, numa pequena quinta rodeada de árvores altas e arbustos, resguardada de olhares alheios.

Iei e Pedro Luís revelam que este afastamento foi fruto de uma opção ponderada. Sentiam-se cansados de tudo o que a fama lhes exigia. Em pleno auge da carreira, surgiam os convites para que os Da Vinci fossem capa de revistas cor-de-rosa, coisa que não lhes agradava. “Chateou-nos a exposição mediática. Queriam entrar na nossa vida privada, que aparecêssemos de fato-de-banho, a fazer poses, ou na piscina. E nós não nos identificávamos com isso; o nosso trabalho era a música!”, sublinham.

Um problema de saúde que afectou Iei também influenciou a decisão de suspender a actividade da banda o afastamento da vida mediática. A última aparição televisiva dos Da Vinci aconteceu em 2007, num programa dos Gato Fedorento. “Eles insistiram muito para estarmos presentes. Mas depois disso, fechámos a loja.”

Ainda que tenham abandonado a vida de músicos, Iei-Or e Pedro Luís continuam dedicados às artes. A cantora publicou recentemente um livro (O Conto da Orbe, Chiado Editora), sob o pseudónimo de M. Jesus Victor. Já o músico apostou na composição de música erudita, género que sempre o fascinou. Pedro Luís também faz gravações de estúdio para outros artistas e para publicidade. Mas é sobretudo ao estudo e composição de música erudita que se tem dedicado.

Iei-Or, que se assume como “humanista” e “progressista”, descobriu a escrita antes de ter deixado os palcos. “A escrita, para mim, é uma compulsão, sempre foi”, admite. Quando em pequena encontrava um fósforo queimado ou um lápis esquecido pelos primos em cima da mesa da avó, era o melhor pretexto para começar a escrevinhar. “Sempre fiz poesia, mas achava que era só para mim.”

E assim aconteceu também com o romance que editou em Maio deste ano. O livro surgiu como uma pulsão de passar para o papel a força das palavras, numa espécie de ligação natural entre cérebro, caneta, e papel. “Escrevi o livro todo à mão. Depois o Pedro reviu-o e passou-o para o computador.” O pseudónimo surge, novamente, para que Maria Manuela Neves se distancie da personagem Iei-Or, dos Da Vinci, e para que consiga distanciar a cantora da escritora.

Iei já tem outros quatro livros na cabeça, e planeia continuar a nova vida de escritora, aliada, entre outros, à jardinagem, um hobbie que a cantora vê como um trabalho para a vida toda. Cantar, agora, acontece apenas para um grupo restrito de família e amigos.

Quanto aos palcos, os Da Vinci reconhecem que, depois de sete álbuns editados, voltar não está nos seus planos. Mas Iei não fecha totalmente essa hipótese: “Na altura, tínhamos projectado um álbum acústico… até o pusemos em marcha. Mas depois acabou por não resultar”.

Passados 30 anos, a canção Conquistador - tema que chegou à platina; e o álbum ao ouro -, ainda está bem presente na memória de quem a viveu, mas também em muitas gerações seguintes.

Iei-Or e Pedro Luís Neves passam hoje despercebidos das câmaras e dos microfones, mas sentem-se mais dinâmicos do que nunca. E satisfeitos com o actual momento da música portuguesa. “Portugal está a produzir boa música, e recomenda-se!”

https://www.publico.pt/2017/08/19/culturaipsilon/noticia/os-da-vinci-navegam-entre-livros-partituras-e-jardinagem-1782720

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

O que é feito de ... Manuela Bravo



Os cabelos ruivos ‘wildfire’ iluminam-lhe o rosto oval; um tom suave de batom avermelhado contorna-lhe os lábios; usa uma echarpe florida em tons rosa e vermelho, uma blusa preta, calças e blusão de ganga atado à cintura. Manuela Bravo tem hoje 52 anos. E já não é a cantora do êxito que venceu o Festival da Canção de 1979, ‘Sobe, sobe, balão sobe’: nos últimos cinco anos experimentou o desemprego, vendeu casas e fez telemarketing e recuperação de créditos.
"Não tenho vergonha, porque vergonha é estar em casa a fingir que se tem trabalho", conta, no seu jeito algo irreverente de falar. "As pessoas gostam de viver da fama e da aparência. E a fama é relativa: hoje estamos em cima e amanhã estão lá outros".
Em Janeiro de 1974 – ainda antes da revolução de Abril –, uma adolescente bonita, de traços finos e cabelos compridos, lisos, gravava o seu primeiro single com duas músicas, ‘Nova Geração’ e ‘Another Time’. A produção esteve a cargo de José Cid, Quarteto 1111, e Jorge Machado. Todos ídolos da jovem Manuela Bravo.
Manuela tinha começado a tocar guitarra acústica aos 12 anos, cheia de personalidade, para acompanhar, enquanto cantava, as letras da contestação de Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira, José Mário Branco, Sérgio Godinho e Francisco Fanhais. "Eu vivia com consciência daquilo que estava a cantar", recorda. Mas ouvia também êxitos da época, dos Beatles, Rolling Stones, Pink Floyd.
Depois de celebrizar o tema ‘Sobe, sobe, balão sobe’, em 79 – antes já tinha cantado composições de Tozé Brito e Jorge Palma –, bateu o pé a uma tournée pela África do Sul. Era contra o apartheid. E as suas convicções subiam mais alto do que qualquer sopro de fama conseguiria.
Logo a seguir, declinou fazer outra tournée, desta vez à ilha da Madeira, convicta de que deveria terminar o curso de Direito. "No dia em que iria para o arquipélago fiz um exame com a dra. Leonor Beleza, mas ela chumbou-me", recorda Manuela. Nesse dia desistiu do sonho de ser advogada.
Em 2004, gravou um master (a primeira cópia do álbum), mas não encontrou editora. "Diziam: ‘é muito bonito, está muito bem feito, mas isto não é bem a nossa onda’. Não era a onda da Valentim de Carvalho, EMI, Polygram, Strauss. Das multinacionais não era de nenhuma. Nas pequeninas, eu tinha de pagar isto e aquilo – queriam ganhar sem investir".
Manuela Bravo divorciou-se em 1999 e, a partir daí, a sua carreira musical, já com 19 anos de espectáculos, começou a decair. "Quando nos encostamos a outra pessoa e não aprendemos a fazer as coisas, para nos adaptarmos leva tempo". O ex-marido tinha sido o manager dela.
Nos tempos áureos, as tournées iam de Abril a Setembro. E em Agosto dava concertos todos os dias. "O mês de Outubro era o das borlas: todas as instituições nos ligavam para o crava" – recorda. Em Dezembro seguiam-se os espectáculos de Natal e de Ano Novo. Depois, havia ainda quatro dias de Carnaval. E no Inverno, os espectáculos eram para as comunidades estrangeiras: Canadá, Holanda, Inglaterra, França, Alemanha ou Suíça.
"Eu acho que sempre fui bem paga. Ganhava 500, 600 contos por espectáculo nos anos 90".
O ex-marido chefiava uma equipa de duas ou três pessoas, que montavam e desmontavam o equipamento dos palcos. "Tínhamos uma carrinha que, depois de eles tirarem o equipamento de som e as luzes, estava preparada para ser camarim". Tinha uma mesa, um espelho com luzes laterais, uma ficha eléctrica para o secador de cabelo e até uma sanita de campismo. "Emprestei muitas vezes a minha carrinha a companhias de teatro de revista e a gente que hoje, não sei porquê, finge que não me conhece".
Em cima do palco nunca gostou de unhas postiças, extensões no cabelo nem botox. Mas gastava muito dinheiro no guarda-roupa e em maquilhagem. Queria estar bonita.
Hoje, Manuela Bravo canta sobretudo na igreja. Não é católica. É maná desde 1992. De vez em quando pedem-lhe para fazer uma participação especial. E ela canta voluntariamente. "É este Deus que me faz sentir viva e sem necessidade nenhuma de fama. Estou a frequentar a escola bíblica maná, onde aprendemos várias disciplinas, desde o foro espiritual ao cultural".
O dinheiro da música começou a escassear após o divórcio. E nessa altura, Manuela aceitou o desafio do encenador Filipe La Féria para integrar o elenco do ‘Amália’. Fez o papel de Celeste Rodrigues, mas com o arrependimento de ter negado o convite para cantar fados no espectáculo. "Eu, armada em parva, disse que não sabia cantar fados de Lisboa. E podia ter experimentado", recorda a cantora, que, com o pai, Loubet Bravo, tinha aprendido o fado de Coimbra.
A experiência de alguns meses deu-lhe ânimo para enfrentar vários castings para telenovelas, sobretudo, da TVI. "Toda a gente me dizia: ‘a Manuela foi muito boa’. Mas cheguei à conclusão de que escolhiam sempre os mesmos e a mim não".
Com uma agenda de concertos cada vez mais livre, a cantora fixou-se, no Verão de 2002, no restaurante A Severa para descobrir que, afinal, o fado de Lisboa também lhe passava pela voz. Por esta altura, envolve-se num relacionamento "doloroso. Foram três anos de desgaste que não têm comparação com os 19 do primeiro casamento".
A vida afectiva entrou também num plano conturbado. Manuela vivia magoada. E a música de uma vida inteira começava a não ser comercial. Até 2005, a luta foi diária. Ironicamente, seria nestes últimos anos que as televisões mais a chamaram para entrevistas e para cantar nalguns programas.
"O ‘Balão’ continuou e continua a subir porque está na história da música popular portuguesa. As pessoas continuam a cantar. O meu ‘balão’ vai subindo até à eternidade".
No pino da fama, Manuela Bravo nunca imaginou que um dia vivesse com o dinheiro contado. Contudo, esse dia é hoje. Tudo o que ganha é bem aplicado no essencial para a vida. "Fui viver com a minha mãe, em 2008, para a casa onde nasci. Eu também precisava de dividir as despesas. Até certo ponto ela foi um apoio monetário".
Entretanto, a mãe faleceu e começou outra guerra: a partilha do apartamento de Queluz com o irmão. "Atento à intransigência de Manuela Bravo, o seu irmão foi forçado a recorrer ao tribunal para conseguir a partilha dos bens da sua falecida mãe, no que parece ser apenas o princípio de uma guerra lamentável e, sobretudo, evitável", comunicou Maria Paula Gouveia de Andrade, advogada de Libânio Bravo. Sobre este assunto, Manuela prefere não comentar.
A vida reservou-lhe muitos dissabores. Nos últimos cinco anos, Manuela foi cantando também em bares e restaurantes, onde as pessoas queriam matar as saudades dos anos 80 e 90. Mas o seu ganha-pão passou a depender de outros empregos. Uma experiência no telemarketing. Pior: o desemprego. Ou até um contrato numa empresa de recuperação de créditos. "Foi aí que me apercebi das grande dificuldades económicas e do drama dos portugueses".
A maior experiência de trabalho por onde passou foi o ramo imobiliário. As porteiras mal batiam o olho na figura de Manuela, desatavam a trautear: "sobe, sobe, balão sobe". E ficavam os clientes de alta finança a olhar, sem perceber.
"As pessoas olhavam para mim e para o nome no meu cartão de visita e achavam giro. ‘Olha, chama-se Manuela Bravo!’. Não lhes passava pela cabeça que a cantora pudesses estar ali a mostrar-lhes uma casa". E ela, às vezes, dizia-lhes quem era, outras não. Ria-se da incerteza deles.
A maioria das pessoas não viu o seu último grande espectáculo: em 2005, participou num musical de Óscar Romero, onde vivia o papel de Grizabella, a cantar ‘Memory’. "Vi que havia um casting para cantar o ‘Memory’ e pensei: ‘espera aí, não vais fazer o que fizeste ao La Féria’. Agarrei no CD da Barbara Streisand e disse: ‘deixa lá ver se canto neste tom’. E pimba, pimba, pimba – desculpe o termo –, ensaiei, ensaiei, ensaiei. E fiquei com o papel".
O rosto de Manuela Bravo sorri ao recordar. Para todos, será sempre a cantora – mesmo com outra vida.
Manuela Bravo tem uma filha de 24 anos. A cantora viveu em Montelavar até 1990. Mas como não tinha onde deixar a filha durante as tournées, mudou-se para Arganil. A sogra assumiu o papel fundamental de ajudar a criar a neta. Em 1999, Manuela separou-se do marido e, com o divórcio, perdeu também o convívio com a família dele. Mais tarde, Manuela teve um segundo relacionamento, de três anos, mas bastante "doloroso".
Desde 1992 que Manuela Bravo é maná. Agora está a frequentar um curso de leitura bíblica. O irmão recorreu ao tribunal para resolver as partilhas dos bens da falecida mãe de Manuela Bravo. Tentou vários castings para telenovelas mas nunca ficou com nenhum papel. Ganhou, no musical ‘Cats’, a vida de Grizabella.