quinta-feira, 8 de junho de 2023
quarta-feira, 31 de março de 2021
Alucina Eugénio
Mário Sousa e Kim Coutinho são os dois músicos que formam os Alucina Eugénio. Autores das canções, dividem-se ainda pela voz (ambos), baixo, bateria e percussões (Mário Sousa) e pelas teclas e guitarras (Kim Coutinho). Gravam para a Música Alternativa o EP Mushrooms com os temas «Piece of Cake», «Are You My Fuckin' Type», «Viscious» (uma cover de «Vicious», de Lou Reed) e «Tou-ch'n'Go». Fernando Cunha (guitarra e voz), Zé Borges (bateria e voz), Júlio César (baixo), Alex Fernandes (samplers, teclas) são os músicos que os acompanham neste trabalho que não conheceu sequência. Produzindo um som próximo dos britânicos EMF, os Alucina Eugénio podem ainda ser ouvidos na colectânea Distorção Caleidoscópica, editada no ano anterior a Mushrooms e onde figura «Are You My Tipe», então ainda sem o fuckin'.
sábado, 27 de março de 2021
Ama Romanta
terça-feira, 2 de março de 2021
Álamos
A capa de um single da Sonoplay editado em 1969, «Stop That Game», define os Álamos como conjunto musical universitário, espontâneo a partir de Coimbra, a que pertencem algumas espécies de todos nós conhecidas, figuras dominantes da música jovem do nosso tempo.
Os Álamos surgem em Coimbra em 1963, depois da dissolução do Conjunto do Orfeão de Coimbra na sequência da saída de José Cid para formar os Babies. Numa primeira fase, fazem parte dos Álamos, Daniel Proença de Carvalho (guitarra) e Rui Ressurreição (piano), que eram do Conjunto do Orfeão de Coimbra, e ainda Luís Filipe Colaço (guitarra), entre outros. Por entre as aulas e os estudos, os Álamos viajam pelo continente, Açores e Madeira e também Angola, evoluindo do estilo antigo do Conjunto do Orfeão de Coimbra para a música yé-yé, embora não decalcando os Shadows ou os Beatles. Convites para espectáculos em França e na Suíça não são aceites, por causa dos estudos.
Em 1968, os Álamos têm outra formação: Rui Ressurreição (piano), Carlos Manuel Correia, o célebre Bóris, acompanhante de José Afonso, (guitarra-solo), José António Pereira (bateria), Luís Filipe Colaço (guitarra-ritmo), José Luís Veloso (guitarra-baixo) e António José Albuquerque (órgão). Editam então o single «Stop That Game», com letra, , em inglês, de Carlos Bóris Correia, e «It's A New Day», com letra de Isabel Motta e Rui Ressurreição e, já na Movieplay, o single «Peter And Paul», cantado em inglês e em português.
Os Álamos deram origem mais tarde, em 1970, ao Conjunto Universitário Hi-Fi, do qual fazia parte, além de Carlos Manuel Correia e Rui Ressurreição, este último já como colaborador, a voz feminina de Ana Maria. Na Parlophone, o Conjunto Uni-versitário Hi-FI editou um EP com «Back from the Shore», «Three Days of my Life» e «Words of a Mad», originais do grupo, e «I Call Your Name», uma versão dos Beatles no estilo dos Mamas & Papas.
segunda-feira, 1 de março de 2021
Ala dos Namorados
1993 Maio - Manuel Paulo, João Gil (ex-Trovante que, entretanto, havia colocado uma pausa no desenvolvimento do projecto Moby Dick) e João Monge (autor das letras) juntam--se para compor vários novos temas. Por esta altura, ainda não existia a noção de um grupo enquanto tal.
Jun. - Faltava a voz, tendo a certa altura sido discutida a possibilidade de se investir numa gravação com diferentes cantores. Esta ideia foi, contudo, contrariada no dia do concerto de Carlos Paredes no Teatro São Luís, onde descobrem a voz de Nuno Guerreiro, uma rara voz de contratenor que participava como convidado, por sugestão do próprio mestre Paredes. Por essa altura, é também contactado o guitarrista José Moz Carrapa, veterano músico de estúdio que fizera parte dos Salada de Frutas. Está formado o grupo, que grava então as suas primeiras maquetas. Nuno Guerreiro participa no álbum Ave Mundi Luminar, de Rodrigo Leão e o Vox Ensemble.
Set. A EMI-VC ouve as maquetas, e o seu interesse no grupo gera uma guerra surda pela sua contratação com a concorrente BMG, para a qual gravavam os Moby Dick. Mas é com a EMI-VC que o grupo assina finalmente contrato. Segue--se, até Dezembro, um período de pré-produção daquele que virá a ser o primeiro disco.
Dez. — Até Janeiro, decorre a gravação e mistura do primeiro álbum da Ala dos Namorados. Apenas com base na audição das maquetas, a organização do Festival de Bruges, na Bélgica, convida o grupo a actuar.
1994 Fev. No dia 3, a actuação no Festival de Bruges é o primeiro concerto do grupo. Poucos dias depois apresentam-se à imprensa lisboeta num pequeno concerto no bar BBB, no Bairro Alto, organizado pela EMI-VC para lançamento do álbum de estreia.
Mar. Edição do álbum de estreia Ala dos Namorados. A voz de contratenor de Nuno Guerreiro gera polémica entre a crítica, que se divide na apreciação do disco, e o público, que pensa de início ser aquela uma voz feminina e reage com paixão quando descobre ser um homem a cantar. Muito ligado ao fado, o disco «soou quase a uma provocação», declara João Gil ao Diário de Notícias onde descreve a tradicional imagem do ser fadista como o homem que chega a casa tarde «e tu estás à minha espera, ainda te dou cacetada e no final levas comigo na cama, tudo isto num tom caprino». «Loucos de Lisboa», tema escolhido pela editora para primeiro single, obtém algum sucesso de rádio. Do álbum faz ainda parte «Ao Sul», tema originalmente concebido para a banda sonora do filme homónimo de Fernando Matos Silva, que é, ironicamente, gravado pela Ala dos Namorados antes ainda de o filme ser estreado. Primeira actuação em Portugal, no CCB.
Ago. Até Dezembro trabalham na pré--produção do segundo disco. Através de um contacto com Vitorino, travam conhecimento com o coro do grupo tradicional alentejano Os Camponeses de Pias, com o qual ensaiam uma reconstrução de raiz de um dos temas novos, «Canção de Ida e Volta», que incluirão no segundo álbum.
1995 Jan. Iniciam as gravações do segundo álbum, com o técnico de som inglês Rafe McKenna.
Maio Edição de Por Minha Dama, segundo álbum do projecto, onde participam Nuno Rodrigues, do Vox Ensemble de Rodrigo Leão, o ex-Banda do Casaco, Celso de Carvalho e os Meninos d'Avó, além do coro Os Camponeses de Pias. Por Minha Dama é mais bem recebido pela crítica que o disco de estreia, mas o tema escolhido para primeiro single, «O Baile da Viela», não se consegue impor nas rádios, e será «A História do Zé Passarinho», uma marchinha popular que destoa do resto do álbum, a obter um expressivo sucesso nas rádios de onda média. Comercialmente, Por Minha Dama iguala os números do álbum de estreia, insuficientes contudo para se poder falar de um verdadeiro êxito comercial.
Set. Actuam no Mercate de Musica Viva de Barcelona, em Espanha, em primeira par-te do pianista catalão Tete Montoliu.
Nov. Apresentam-se ao vivo no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, na sua primeira grande produção de palco em Lisboa; o concerto é um sucesso de crítica e de público, com os convidados especiais António Chainho, Maria João, Mísia e Manuel Rocha, da Brigada Victor Jara.
Dez. Actuam no concerto de homenagem a Luís Mateus, no Coliseu dos Recreios.
1996 Abr. — Actuam no Printemps de Bourges, em França. Por Minha Dama é nomeado para o Prémio José Afonso, atribuído anualmente pela Câmara Municipal da Amadora.
Jun. Actuam em Macau, num concerto comemorativo do 10 de Junho. Actuam em Paris, no estádio José Mayer.
Jul. Entram em estúdio para gravar o seu terceiro álbum de originais; as sessões prolongar-se-ão até dia 2 de Agosto. Nas gravações participam os Vozes da Rádio, José Medeiros, Carlos Guerreiro, dos Gaiteiros de Lisboa, José Salgueiro e Manuel Rocha, da Brigada Vítor Jara. José Moz Carrapa sai amigavelmente do grupo, que fica assim reduzido a trio.
Nov. Editam o terceiro álbum, Alma, que inclui entre os seus 15 temas uma versão para «Gare d'Austerlitz», de José Mário Branco, e outra para o tema do filme O Padrinho, escrito por Nino Rota, com uma letra em português de João Monge, intitulada «Fado Siciliano». Mas o single escolhido é «Manto Negro», um tema épico com a participação de elementos do Coro da Gulbenkian, que encontra bastante resistência por parte da rádio e cujo vídeo é rodado no Estabelecimento Prisional de Monsanto. O álbum marca as primeiras reticências da crítica face ao trabalho da Ala dos Namorados.
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021
Ágata
1959 Nasce, em Lisboa, a 11 de Novembro, Maria Fernanda de Sousa Santos Carreira.
1973 Entra para o Centro de Preparação de Artistas da Emissora Nacional.
1978 Grava a versão portuguesa da canção da série de desenhos animados «Abelha Maia». Entra para as Cocktail, estreando-se num espectáculo em Tomar.
1979 Grava a canção «Um Caso Meu», da telenovela da Globo, «D. Xepa».
1981 Com as Cocktail concorre ao Festival RTP da Canção, com «Vem Esquecer o Passado».
1982 Como Fernanda, apresenta-se a solo no Festival RTP da Canção em 1982, com «Vai mas Vem».
1985 Terminada a vida conjunta das Cocktail, substitui temporariamente Lena Coelho nas Doce.
1986 Entra definitivamente para as Doce para substituir Fá, que deixa o grupo.
1989 Como Ágata, edita o single «Quentinha e Boa/Mexe-te Mais Um Pouco», na Discossete. O visual mudou radicalmente, mais provocador.
1994 A canção «Perfume de Mulher» torna-se um dos maiores sucessos da música pimba. O disco vende cerca de 80 mil cópias.
1996 Com um grupo de colegas, na sua maioria artistas na área do pimba, participa no disco Mãe Querida.
1997 Representa Portugal no Festival da OTI com «Abandonada». Edita, depois, um álbum com o mesmo nome.
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021
Alfredo Marceneiro
Alfredo Rodrigues Duarte nasceu numa casa da Travessa de Santa Quitéria, a São Bento, a 29 de Fevereiro de 1892 — uma data invulgar que apenas se repete de quatro em quatro anos. Por isso, a mãe registou oficialmente o nascimento como tendo ocorrido no dia 25 desse mês, data de aniversário do pai, que era mestre de corte e tinha uma pequena sapataria na Rua de São Bento.
Foi com a mãe que aprendeu a cantar, ainda criança, durante as «descamisadas» do milho no Cadaval, de onde a sua família era originária, tendo migrado para Lisboa pouco antes do seu nascimento. Começou depois a participar nas «cegadas» de rua, desfiles carnavalescos onde o público o viu pela primeira vez em 1908, aos 17 anos, vestido de mulher, numa pantomima inspirada pelo visionamento do filme mudo A Morte do Duque de Guise. Apesar de ser um entre muitos dos participantes nesse desfile (ensaiado no pátio da Vila Maia, junto á Rua Domingos Sequeira), a sua voz foi logo notada.
Gostaria de ter estudado música, vocação que a família igualmente acarinhava. Mas em 1906, aos 14 anos, ficara sem pai e teve de aprender um oficio. Nessa época a família habitava na Vila Mendonça, na Rua de Santo Amaro, à Estrela, uma vez que a primeira casa havia sido demolida para dar lugar ao alargamento da Avenida Pedro Alvares Cabral. Em 1909, haviam-se mudado para a actual Rua Silva Carvalho, em Campo de Ourique, nessa época chamada Rua de São Luís. Começou por ser aprendiz de encadernador na oficina de Paulino Ferreira — aparentemente só para se sentir perto do fadista Júlio Janota, que ali trabalhava. Mas como esta arte o prendia até às nove horas da noite — deixando-lhe pouco tempo para participar nas «cegadas» — mudou de oficio e tornou-se marceneiro.
Contava que o seu primeiro trabalho neste ramo fora uma cruz de madeira para colocar na sepultura do fadista Manuel Rego, que trabalhava como chefe do pessoal menor do Ministério das Subsistências e a quem devia as primeiras duas letras escritas propositadamente para si. Com dois amigos, alugou depois uma casa para montar a oficina e foi aí que se dedicou a aprender os segredos da profissão, construindo camas, guarda-fatos e outras peças de mobiliário.
Chegou a participar na construção de quatro navios de guerra quando trabalhou junto aos estaleiros da Rocha do Conde de Óbidos. Recordaria os seus primeiros passos como artista nessa Lisboa do princípio do século alguns anos mais tarde, numa entrevista: «Depois do Carnaval, o tempo das cegadas dava lugar aos bailes. Em cada bairro havia um, com bufete e "cavalinho" (conjuntos musicais com um mínimo de cinco figuras). Se tivesse mais músicos, o baile já era caro... Nos intervalos, os bailarinos dois rapazes e duas raparigas, ou quatro raparigas — dançavam ao som de cantigas que ninguém sabia quem tinha feito.
A certa altura dizia-se "Rapazes vamos, vamos ao Fado", e a gente cantava, encostados a uma valeta. Comecei a cantar com os rapazes do meu tempo. Tocadores: o Aires dos Fadinhos, o António da Mina, o Júlio Correia, o José Marques, o Armando Machado, o José Graça e o Júlio Proença. íamos para o Jardim da Parada. Depois começaram as Festas de Caridade e, como não conhecíamos os poetas, levávamos latas de quiosque, que custavam um vintém.
Também aproveitávamos os versos que a Voz do Operário publicava semanalmente, e os dos jornais A Alma do Fado, A Guitarra de Portugal e A Canção do Sul, estes últimos fundados por Carlos Harrington e Linhares Barbosa.» Percorria também os «cafés de camareiras», ilumi-ados a gás, na Rua dos Mastros, em Alcântara, na Mouraria e no Bairro Alto; aqui, no café de Maria da Luz, era acompanhado ao piano por um músico invisual conhecido como «O Ceguinho da Luz». Parava também no Catorze do Rato, uma casa de jogo que o dono acabou por transformar em casa de fado, onde Alfredo Marceneiro cantava acompanhado por piano, bandolim e guitarra. Foi aí que conheceu o poeta popular Manuel Soares, que acabou por lhe oferecer duas letras para fado. «Eu, até então, só cantava para as raparigas e rapazes da minha idade.
Pois o Manuel Soares, do Inten-ente, ouviu-me e deu-me duas das suas letras. Mais tarde, o Joaquim Câmara — também cantador e dos de fama — levou-me à Carioca da Trindade, uma taberna que tinha por dono um homem chamado Silva e onde se cantava o fado. Aí conheci o Manuel Rego, que começou a fazer letras para mim.» Foi também no Catorze do Rato, e nos cafés da Rua da Atalaia, que ganhou fama ao tornar-se o primeiro fadista a cantar de pé, «para eles me verem bem», e atrás dos guitarristas, normalmente em situações de desgarrada ou desafio entre cantores que, muitas vezes, geravam conflitos entre a assistência — «nós os cantores, ficávamos na calma, como fazem hoje os tipos da luta livre». Mas somente no início dos anos 20 passou a ser conhecido com o apelido de «Marceneiro», ao ser assim apresentado no cartaz de uma festa organizada por Manuel Soares, Alfredo Correeiro e José Bacalhau. Até então, muitos dos seus conhecidos — como o guitarrista José Marques, que o acompanhava habitualmente — tratavam-no por «Alfredo Lulu» por «andar sempre todo catita», no vestir e no andar. Um dos seus primeiros traços de distinção foi o laço, mais tarde substituído por um lenço de seda ao pescoço, com nó largo. No entanto, normalmente cantava a troco de comida e bebida, a que os admiradores acrescentavam no final da noite um envelope com uma maquia recolhida entre todos, a qual era variável.
Depois de Manuel Rego e Manuel Soares, foram muitos os poetas populares de Lisboa que escreveram canções para a voz de Alfredo Marceneiro, podendo citar-se, entre outros, os nomes de Manuel Rego, Henrique Rego, Fernando Teles, Avelino de Sousa, Francisco Viana, Silva Tavares, Carlos Conde, Frederico de Brito, António Amargo, Custódio Cutileiro (fundador da Praça de Toiros de Almada) e Linhares Barbosa. Para que os cantadores de fado conseguissem ganhar o seu sustento, uma convenção explícita entre todos levava-os a cantarem apenas uma ou duas noites por semana. Num tempo em que não existiam direitos de autor — «Cada um cantava o seu reportório e mais nada» — Alfredo Marceneiro foi, com Armandinho, um dos artistas fundadores da Sociedade de Escritores e Compositores Teatrais Portugueses, em 1927.
Só em 1924 — o ano em que participou numa Festa do Fado organizada pelo poeta António Botto, no Teatro São Luís — surgiu o seu primeiro contrato para cantar, no Chiado Terrasse, onde esteve durante dois meses acompanhado por Júlio Correia e Artur Careca. Ganhava quarenta escudos por noite. De dia trabalhava como marceneiro na oficina de Diamantino Tojal — na Vila Berta, à Graça — e no fim do dia actuava no Chiado Terrasse, onde ficava até á meia noite. «Nesse tempo, o Armandinho (Armando Freire) ganhava cinquenta escudos por noite para tocar e ofereciam-lhe também a ceia. O Armandinho era um génio a tocar guitarra. Ele musicava o estilo do cantador. Só depois surgiram Jaime Santos, Carvalhinho e tantos outros. Mas o Armandinho era o maior. Os fadistas da minha época criaram um tipo de fado que o Armandinho musicou. Ora, dentro dessa toada musical, cabiam todas as letras em redondilha maior de sete sílabas.»
Depois, foi contratado para o Olímpia, e logo a seguir para o Ferro de Engomar, seguindo-se outros estabelecimentos, como o Luar da Avenida ou o Solar da Alegria. Foi também um dos primeiros fadistas a actuar nos teatros e retiros do Parque Mayer — nomeadamente no Júlio das Farturas, com Ermelinda Vitória e Renato Varela, onde popularizou o tema «Olhos Fatais» e a desgarrada que mantinha com o Miúdo da Bica (Fernando Farinha). Num concurso para fadistas organizado pelo dono da Rosa Branca, um estabelecimento perto da Rua Morais Soares, ganhou a medalha após ter estado uma hora e vinte minutos em cena para grande gáudio da assistência.
Fez a sua primeira gravação fonográfica em 1929, mas a experiência não o entusiasmou porque gostava de ver o público enquanto estava a cantar, para poder analisar as suas reações. Escreveu vários fados que depois foram interpretados por outros: «Lembro-me de Ti», «Pierrot», «Louco», «Cravo», «Cuf», «Mocita dos Caraçóis», «Olhos Fatais», «Bailarico», «Laranjeira», «A Casa da Mariquinhas», este com música de sua autoria e letra de Silva Tavares.
Em 1930 entrou numa peça de teatro escrita por Avelino de Sousa e levada á cena pelo empresário Lopo Lauer. Seis anos mais tarde, no Teatro Variedades, participou também numa opereta intitulada História do Fado, cujo elenco incluía Beatriz Costa e Vasco Santana. Raramente visto na televisão, a sua única aparição cinematográfica foi no filme O Feitiço do Império, com Ribeirinho e António Vilar.
Foi ele quem apadrinhou e lançou nomes bem conhecidos do meio fadista como Hermínia Silva e Amália Rodrigues — que começou a cantar pela mão de Marceneiro, no Retiro da Severa, em Lisboa, num elenco que incluía José Porfírio. Em 1959, aos 67 anos, obteve a reforma da Caixa de Previdência dos Artistas de Variedades e recordava o princípio do século como o tempo em que «o fadista cantava por gosto. Não interessava muito se havia ou não havia público. Cantávamos nas ruas, fazíamos serenatas e reuníamo-nos aqui ou ali para cantarmos ao desafio. O mais frequente era irmos a festas em casas particulares, mas sempre sem combinarmos preços. Depois apareceram as casas típicas e começou-se a ganhar mais regularmente. Cantei em todas, apesar de só ter recebido em meia dúzia delas, tais como o Machado, o Faia, o Luso, a Parreirinha, a Severa, a Viela, e pouco mais...».
Na verdade, nunca trocou a sua profissão de marceneiro pela de artista. O seu primeiro disco estereofónico foi editado apenas em 1961, uma colectânea «com o melhor da canção nacional» e o título The Fabulous Marceneiro. A 25 de Maio de 1963 foi-lhe feita uma festa de homenagem intitulada «Madrugada do Fado», no Teatro São Luís, com início á meia-noite e organização a cargo do empresário Vasco Morgado, da locutora Maria Leonor e do actor Raul Solnado. Figura mítica de Lisboa, o Ti Alfredo, como era conhecido pelos fadistas e os amigos, não abandonaria nenhuma das suas actividades após a obtenção da reforma.
No fado, enquanto autor e intérprete exímio dos quatro géneros da canção popular lisboeta («Fado Bacalhau», «Fado Corrido», «Fado Menor» e «Fado Mouraria») foi um dos expoentes máximos de todos os tempos, sem nunca ter saído do Pais, e raras vezes de Lisboa: «Eu que me chamo Alfredo, mas Duarte/ Sou para toda a gente o Marceneiro/ Este apelido em mim, que pouco valho/ Da minha honestidade é forte indício/ Sou marceneiro sim, porque trabalho/ Marceneiro no fado e no oficio.»
A sua última subida ao palco ocorreu a 24 de Junho de 1980, quando recebeu a Medalha de Ouro da Cidade de Lisboa das mãos do então presidente da Câmara Municipal, Krus Abecasis — curiosamente, uma vez mais no Teatro São Luís. Nesse mesmo ano foi figura de destaque nas Festas de Lisboa, quando a marcha do Bairro Alto lhe foi dedicada. Mas já com noventa anos, era ainda uma figura da noite lisboeta, cujas casas típicas percorria até altas horas da madrugada.
Raramente era visto durante o dia e orgulhava-se de, com essa idade, os seus cabelos continuarem pretos, sem necessidade de os pintar. Sobre o fado, «uma canção de revolta e amorosa», gostava de dizer que «Isto tem uma técnica: as suspensões e as paragens têm de ser dadas consoante o pensamento do autor e não ao sabor do improviso. Ao dizer os versos, tem de existir uma aproximação do intérprete com a letra. Só assim a plateia vive o fado.» Nos versos de um dos seus fados cantava que: «Com lídima expressão e voz sentida/ Hei-de cumprir no Mundo a minha sorte/ Alfredo Marceneiro toda a vida/ Para cantar o fado até à morte.»
Faleceu na manhã de 26 de Junho de 1982, com 91 anos cumpridos. A filha disse aos jornalistas que Alfredo Marceneiro: «Nunca esteve doente, sofria apenas de velhice.» Uma última frase célebre do fadista, retirada de uma entrevista à Ilustração Portugueza, em 1931: «O meu maior desgosto foi o gramofone, que veio industrializar o fado. Que vergonha!» Em 1989, antecipando a comemoração do centenário do nascimento do fadista, a EMI-Valentim de Carvalho publicou o duplo álbum O Melhor de Alfredo Marceneiro. O seu neto, Vítor Duarte, publicou em 1995 uma biografia de Alfredo Marceneiro, acompanhada por urna compilação em CD (ed. Ovação).
DISCOGRAFIA:
1961 The Fabulous Marceneiro (LP, Colum-bia).
1964 Há Festa na Mouraria (LP, Columbia).
1972 Nos Tempos em Que Eu Cantava (LP, Columbia).
1982 Saudade, (LP, Valentim de Carvalho).
1989 O Melhor de Alfredo Marceneiro (LP, EMI).
1993 O Melhor de Alfredo Marceneiro, vol. 2 (LP, EMI).
1995 Recordar Marceneiro (CD, Ovação).
1996 A Casa da Mariquinhas (CD, Carave-la-EM!).
1997 Biografia do Fado (CD, EM1).
terça-feira, 9 de fevereiro de 2021
Alberto Ribeiro
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021
Almeida Santos
António de Almeida Santos, ex-presidente da Assembleia da República, nasceu em 1926, em Cabeça, concelho de Seia. Viveu em Coimbra de 1938 a 1953, ano em que se licenciou na Faculdade de Direito da Universidade. Enquanto estudante residiu na Real República Baco, urna república com sérias tradições no fado de Coimbra, uma vez que também foram «Bacos», cantores como Fernando Machado Soares e Fernando Gomes Alves, Dário Cruz (guitarra) e violas como Manuel Pepe e José Niza, e ainda, Francisco Bandeira Mateus, que escreveu as letras de alguns fados de Machado Soares.
Almeida Santos cantou no Orfeão Académico, tocou guitarra com a Tuna e foi, ainda, presidente da Secção Cultural da Associação Académica. Aprendeu a tocar guitarra com António Brojo, no final dos anos 40, e começou a cantar o fado nas digressões da Tuna e do Orfeão. Com este coro deslocou-se a Angola e Moçambique e, ainda, ao Brasil, em digressões consideradas históricas. E foi em Lourenço Marques que posteriormente se fixou para advogar, até pouco tempo antes do 25 de Abril de 1974. Em Coimbra, e para além de António Brojo, foi contemporâneo dos guitarristas Carvalho Homem, João Bagão e Manuel Branquinho e dos violas Tavares de Melo, Alfredo Caseiro da Rocha, Carlos Figueiredo, Aurélio Reis e outros. Os cantores do seu tempo (finais dos anos 40/inícios de 50) foram Anarolino Fernandes, Jorge Gouveia, Alexandre Herculano, Roxo Leão, e, ainda, Luiz Goes, já na fase final da sua passagem por Coimbra.
Almeida Santos tinha especial predilecção por alguns autores, cujos fados cantou: Armando Goes (tio de Luiz Goes), Paradela de Oliveira, Carlos Figueiredo, Tavares de Melo, Raposo Marques e Florêncio de Carvalho (autor da música e da letra de «Lá Longe», o fado que Almeida Santos interpreta no primeiro volume da colectânea Fados e Guitarradas de Coimbra, editado pela Movieplay em 1996).
Embora residindo em Moçambique - onde foi considerado o melhor advogado que por lá passou -, Almeida Santos deslocava-se frequentemente à metrópole, em viagens de trabalho, que sempre aproveitava para rever amigos e matar saudades de Coimbra. E assim, sempre que podia, rumava à Lusa--Atenas direto à «sua» velha Baco. Lá chegado — e quaisquer que fossem os estudantes residentes na altura - Almeida Santos pedia uma guitarra, integrava-se no ambiente e por ali ficava dois ou três dias (e noites) até que regressava a Moçambique.
E assim tem sido até hoje. Sempre que pode, lá está ele, com a sua excelente guitarra made in Grácio, a cantar, a tocar e a recordar os seus tempos de Coimbra.